Tinha 90 anos e estava morrendo.
Tranquila, sentou-se com suas lembranças em uma cadeira próxima à janela. Nas mãos, uma caixa com fotografias e pequenos objetos do marido e dos filhos, todos já falecidos.
Não estava com medo e aproveitou o tempo para rememorar a vida. Se detinha retrato a retrato, objeto a objeto, como uma forma de, quem sabe, levar aos céus a lembrança daquelas pessoas que tanto a fizeram feliz.
Após a última fotografia, um par de sapatos de bebê; eram para seu primeiro filho, que não chegara ao fim da gravidez, há mais de 70 anos.
Aquela lembrança a assaltava vez por outra. Posteriormente, teve outros três filhos, mas optou por nunca usar aqueles sapatinhos. Lembra-se que a primeira gravidez fora inesquecível: tornou-se o centro das atenções, o corpo mudara de formas, vizinhas lhe davam peças artesanais de roupas e o marido a beijava de uma maneira diferente na barriga.
Agora realmente fazia sentido a frase ouvida de uma antiga professora: cada um de nós só morre em definitivo quando morre a última pessoa que se lembra da gente. Aquela primeira gravidez que não foi em frente virou uma mera lembrança entre os familiares da época, sepultada pouco a pouco pelas partidas vindouras. Ela era a última que ainda sabia do fato. Seu primeiro bebê não tivera nome, história ou fotografias, apenas um par de sapatos que nunca usara. Agora, finalmente, seu pequeno anjo morreria em definitivo, junto com ela. Mas não da mesma forma que ela morrera um pouco quando ele se fora.
Para Hemingway, pelo "Vende-se sapatos de bebê, sem uso".
Fonte da foto: wikipédia
pô, que história triste.
ResponderExcluirmas concordo totalmente na ideia de existir nas lembranças de quem nos ama.
Glauber, gostei da ideia. A gente só morre qnd ninguém lembra mais de nós. Abs
ResponderExcluirolá querido irmão...linda mesmo essa história... uma tristeza diferente, de paz e renascimento...bjos ,com amor, gleice
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