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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Cotas






Local: balcão de informações de uma universidade fluminense (mas poderia ser em outro Estado);



Personagens: jovem vestibulando descendente de alemães;
mocinha do balcão de informações.



Cena única:

— Bom dia.
— Bom dia.
— Queria saber a quantidade de vagas para Direito, à noite.
— Cento e vinte.
— Hmmm, tá bom.
— Mas tenho que alertar que trabalhamos com o sistema de cotas.
— Ah, tá. Então me explique.
— 25% dessas vagas estão reservadas para negros e afrodescendentes.
— Hmmm...
— Outros 25% são reservados para estudantes de escolas públicas.
— Caramba! Só aí já deu metade das vagas!
— Pois é, mas não acabei.
— Tem mais??
— Sim. — respondeu a moça do balcão, enquanto pegava uma lista que até o momento passara despercebida. — A universidade preocupa-se com os vários problemas histórico-étnico-sociais do país e por isso desenvolveu um exclusivo sistema de cotas que privilegia proporcionalmente a parcela minoritária da população.
— ????
— Vou explicar detalhadamente. — telemarketinguizou. — Eu havia dito que 25% das vagas são reservadas para negros ou afrodescendentes e 25% para estudantes de escolas públicas, não foi?
— Foi.
— Outros 10% são reservados para negros ou afrodescendentes E estudantes de escolas públicas, mais 10% são para indígenas ou indo-descendentes, outros 10% para pessoas que precisam pegar ao menos três ônibus para chegar à universidade... — está acompanhando meu raciocínio?
— ????
— Ótimo. Mais 5% para ex-presidiários, igual porcentagem para albinos e também 5% para os calvos, e finalizando...
— Tem mais??
— Teeemmm... a fim de se preservar o patrimônio imaterial futebolístico carioca, reservamos 1,5% para os torcedores do glorioso América!
— O QUE?? Até os torcedores do Ameriquinha tem esse privilégio?
— Sabe como é, o América é o segundo time de todos os cariocas, é verdadeiramente o time que faz reunir toda a massa do futebol do Rio.
— Putz, e o que me sobrou?
— 3,5%.
— Só isso?
— Não, me desculpe me enganei... esse meio por cento está reservado para os anões. Sobraram então 3%.
— E isso em número de vagas dá quanto?
— Três ponto seis.
— E o que é que vocês fazem com “zero ponto seis” de uma vaga?
— Bom... desculpe-me de novo, sou nova aqui, dessas “três ponto seis” vagas, “uma ponto seis” ficam para os obesos... é que eles precisam de uma cadeira maior para sentar-se. Nossa faculdade se preocupa com a ergonomia e o conforto dos alunos.
— Tá bom. Então na prática só tenho direito a duas vagas?
— Exatamente.
— E o que você acha disso?
A moçinha se debruçou sobre o balcão e sussurrou no ouvido do vestibulando.
— Confesso que eu acho até democrático: transformou todo mundo em minoria...





3 comentários:

  1. É mais cômodo criar cotas e mais cotas que promover uma reforma séria no ensino e combater a desigualdade social. Pena que 31 de outubro de 2010, pelo histórico dos candidatos à Presidência da República, provavelmente não será a data que levará o Brasil ao desenvolvido de fato.

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  2. cara seu conto ta perfeito na minha opinião. humor e crítica com excelente qualidade literária. abraço. como faço pra pegar contigo o modernos contos brasileiros ?
    abraço grande, isaias

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  3. bacana.
    as cotas tiram a igualdade das pessoas.

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