Estava com o tanque na reserva
quando entrou na rua Campestre naquela madrugada; afora algumas pessoas
que se despediam de uma idosa, tudo era silêncio. Estacionou no final, onde as
casas rareavam e tinha início uma estrada de terra. Olhou no retrovisor, e seu
olhar pareceu cruzar com a da provável moradora da casa; logo depois, ela fechou o portão e entrou em casa.
As horas passadas circulando a
esmo pela cidade não foram suficientes para aclarar-lhe as ideias. Credores o
perseguindo, esposa indo embora; tudo era como um gatilho para ativar a
depressão adormecida. Como de costume, se alimentava dos remédios receitados
pelo psiquiatra, mas dessa vez, sem obter o efeito pretendido.
Acende a luz interna do carro e
verifica o revólver 38 no banco do carona. Adquirira a arma anos antes, a
título de defesa pessoal. Treinava eventualmente e ainda possuía munição nova.
Abriu o tambor da arma e jogou os projéteis na palma da mão. Observou o brilho
dourado, semelhante a ouro, que poderia lhe devolver o bem mais precioso nesse
momento: a tranquilidade.
Após recolocar uma das balas no revólver, alguém bate na sua janela.
Abre um pouco o vidro.
“Que é?
“Da um troco aí, mano”.
“Não tenho nada. Tchau.”
“Pô, mano, nesse carrão aí não
tem nada, arranja um negócio aí.”
“Já disse que não tenho nada”.
O interlocutor era um dos
doidinhos da cidade, alcoólatra inveterado que vivia nas ruas a troco de
migalhas e de trabalhos passageiros. Recém havia se viciado no crack e se
tornara mais imprevisível e violento desde então.
“Pô, véio, não vai dar nada não,
não vai não??”
E tentou abrir o vidro do carro,
sem sucesso. Com as próprias mãos golpeava continuamente o veículo.
“Sai daqui, seu merda, me deixa
em paz”.
Antonio da Graça, era esse seu
nome, ignorou o motorista e continuou a golpear o veículo, a procura de algo
que ele nem sabia se encontraria.
..........
Dona Isaura, a idosa avistada pelo motorista, verifica o relógio.
São duas horas da manhã. Junto de seus vizinhos – soube depois - acordou
assustada e repentinamente. Ao som de dois disparos.